quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Séries em Série #54 | Altered Carbon



Cyberpunk é um tema amplo, porém complicado. Temos algumas boas obras em diversos formatos neste tipo de ambiente, que dão muito certo, por sinal. Há Blade Runner como maior referência, que nasceu na literatura com Androides Sonham com Ovelhas Elétricas. Altered Carbon, que dá título a nova série da Netflix também é uma adaptação de um livro e veio como uma promessa, mas com a promessa, vem também a expectativa, o que não quer dizer necessariamente que seria algo bom.

Sempre há algum referencial quando se trata de cenários cyberpunks futuristas, seja carros flutuantes, anúncios excessivos e holográficos, prédios acima das nuvens... Altered Carbon bebe muito dessas fontes, mas também consegue ser único em muitos aspectos, criando sua própria mitologia e leis. Num futuro longínquo, ao completar um ano de idade, cada ser humano tem um cartucho implantado um pouco abaixo da nuca, onde toda sua consciência será armazenada. Quando o corpo, ou a capa como eles chamam, morre, se o cartucho estiver intacto, é possível transferir a consciência para outra capa e assim continuar existindo. Criminosos, quando presos, são separados de suas capas e seus cartuchos são armazenados, possibilitando que cumpram penas absurdamente longas, sem terem morrido de fato. Isto é claro, possibilita com que os Matusas, pessoas tão ricas e poderosas que vivem em prédios acima da nuvens e são praticamente intocáveis, se tornem verdadeiros imortais. Como isto é possível, você se pergunta? A resposta e simples. Com dinheiro e influência quase que infinitos, essas pessoas clonam seus próprios corpos e os preservam, para que sempre consigam ter uma nova capa onde habitar e fazem também backup de sua mente com regularidade em satélites em órbita da Terra, para que nunca morram de verdade. Quando um cartucho é destruído, é a chamada Morte Real.

Somos apresentados a Takeshi Kovacs. Antigo membro do Protetorado, que era uma força militar de elite, e posteriormente um Emissário, grupo rebelde treinado em combate das mais variadas formas. Kovacs fora capturado muito tempo atrás, tendo seu cartucho armazenado durante 250 anos. Após todo este tempo, ele é trazido de volta e posto numa nova capa, tudo a mando do matusa Laurens Bancroft, que deseja ele resolva seu assassinato. Sua morte aponta para que ele tenha cometido suicido, causando uma morte real, porém foi feito um backup e o mesmo não se lembra de nada das últimas 48 horas anteriores a sua morte. Se recusando a aceitar que tenha tirado a própria vida, o homem traz de volta o último Emissário para desvendar seu assassinato e capturar o culpado, prometendo a Takeshi Kovacs uma fortuna de recompensa, além de se tornar totalmente absolvido de seus crimes. 



Ainda que relutante, Takeshi, agora em sua nova capa e dotado de todas suas habilidades, inicia sua investigação a respeito do suposto assassinato de Bancroft, porém o que seria complicado antes, se mostra ainda pior conforme ele avança em suas investigações. Uma séries de tramas paralelas e sem conexão entre si começam a se mostrar durante a série, ligadas direta ou indiretamente com o Emissário e o que pode parecer apenas formas de enriquecer e/ou encher ainda mais a história, gradativamente se mostra algo maior. 

Não há sombra de dúvida que a série é extremamente violenta, seja nos frequentes combates corporais e troca de tiros - embora deva dizer que a trama sofre bastante cenas de lutas, conseguindo convencer com boas coreografias poucas vezes - ou em passagens de torturas, que neste futuro é feita em situações em um ambiente virtual controlado, onde é possível atuar diretamente contra o cartucho, precisamente contra a mente, mas não deixando de proporcionar a sensação de dor real, assim como medo ou desespero. Deste modo é possível levar a vítima até sua morte, para só então trazê-la de volta e começar tudo de novo. Aqui também podemos falar da parte visual do ambiente também. Se em cenas de ação, embora poucas sejam boas, o que mais chama a atenção é o sangue espirrando para todos os lados, a ambientação se mostra muito bem acertada em vários pontos. Os prédios acima das nuvens são interessantes, mas ainda assim isto já foi visto. Altered Carbon ganha ao retratar ambientes da "cidade baixa". A sujeira e as cores... Gostaria de elogiar especialmente uma das áreas pobres da cidade, construída sobre uma ponte com nada mais que contêineres.



Mas só visual tem a série. Com uma boa equipe de arte e fotografia, não é difícil impressionar numa obra com este potencial. A trama toda também ganha seu espaço aqui. Embora ela possa parecer confusa em muitas partes, talvez até conveniente em outras, elas ainda assim consegue ganhar notoriedade, por ser complexa e densa, com seus personagens bem construídos - embora nem todos sejam amados - servindo como o elo que faltava para fazer com que a história seja ainda mais interessante.



Porém, os questionamentos apresentados leva o espectador até uma reflexão mais profunda. Há uma divisão clara na sociedade, com os matusas sendo o expoente da riqueza e do verdadeiro poder. Além disso, essa separação deixa sua elite seleta quase que acima da lei e evidentemente acima das pessoas "normais". Novas capas são extremamente caras e os imortais raros. Se por algum acaso você morra e consiga uma nova capa, é difícil dizer com que aparência retornará. O governo garante capas gratuitas para pessoas vítimas de algum acidente, mas não diz qual. Uma garotinha de nove anos que teve seu corpo destruído após um atropelamento retorna no corpo de uma senhora idosa... Isso é certo ou errado? Quão precioso é o tempo com a pessoa amada, mesmo que ela não tenha a aparência com qual você estava acostumado.

E vítimas de assassinatos e outros crimes graves, é certo trazê-las de volta para que revelem seus quem as matou? É uma ideia brilhante diria alguns, mas que vai contra o neocatolicismo, uma das religiões mais influentes na série e que luta a favor de uma única vida e uma única morte. O ser humano deve viver para sempre? E se sim, porque isto é restrito apenas a alguns?

Apesar de tudo isso, ainda há espaço para muitos questionamentos nas temporadas vindouros - o que pelo menos esperamos que venham - de Altered Carbon, como outros temais mostrados na série, como prostituição e pedofilia. A série apenas arranhou a superfície do que isto poderia ser, apesar de conseguir chocar em muitos momentos, enquanto acompanhamos Takeshi em sua cruzada por esta sociedade tão avançada e também tão decadente.  

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